Um sentido para o nascimento


Provavelmente todos passamos por uma história envolvente sobre as nossas origens. Há algo lúdico nos nascimentos. Por mais verdadeiros e autônomos que sejam, nos parecem soar como uma linda poesia. Ninguém pensa em seu próprio nascimento como uma experiência de dor agonizante que conduziu alguém a quase um processo de morte. Nem ao menos que o seu nascimento foi uma sucessão de eventos técnicos tal qual uma linha de montagem que lhe possibilitou estar ali.

É bem possível que nos lembremos desse momento com o peito cheio de paixão, com a respiração ofegante de quem está pronto a nascer de novo a qualquer hora. Isto acontece porque o fenômeno do parto é incorporado a uma série de outros que serão posteriormente chamados de vida.

Verdade também que uma das história mais antigas que contam a nossa própria história, traz o mesmo elemento lúdico. Uma poesia nos conta que no principio, nós seres humanos fomos resultado de um parto profundo realizado pelo universo. Seu autor humano, tinha acabado de escrever um salmo de exaltação, outra poesia, e nesta tinha pedido estranhamente para que fosse ensinado a contar os seu dias de uma forma tal que o seu coração se tornasse sábio, a exemplo de quem idealizou o seu parto.

O resultado não foi diferente, a poética história da humanidade nasceria da verdade simples de alguém que se preocupou com a sua existência. Elaboração criativa que demonstrava que em sete dias pode conter todo o necessário para a vida. Viver uma semana, dia por dia sem a preocupação do próximo é sem dúvida a maior virtude que um homem pode alcançar.

Este salmista pouco conhecido, um patriarca, Moisés.  Tinha aprendido a contar os seus dias e os dias de toda a humanidade. Tinha aprendido a perceber o tempo passando. Aprendeu que os dias visavam apenas um fim, sua própria vida.

Não existe um só motivo que justifique a vida sem dias. Há de fato alguns que passarão a vida toda e não terão vivido nem apenas uma semana. Não terão tempo para ver o essencial. Não verão a luz surgindo nas auroras, não há de se ver o sol surgindo, a lua. Não terá tempo nem ao menos para perceber as águas que se distanciam da terra de forma infinita, nem muito menos que nenhum desses espaços permanece sem vida, sem animais para contar a história acontecendo.

Provavelmente alguns ficarão sem a possibilidade de verem a si mesmos. Não verão a estrutura frágil em que foram moldados, nem a estrutura forte que os deu vida. Não viverão, eles não merecem viver, ou na verdade não querem viver.

A grande verdade é que no texto sobre o começo de tudo, um mestre singular nos ensinou que o maior deveria servir o menor. Independente da ordem em que se exponham os detalhes da origem, sabemos que tudo foi criado do mais forte para o mais fraco. O homem foi o ser criado por último para ser servido por todos. Encontramos uma criatura tão frágil e débil que sem o empenho de todos os outros fortes, estaria fadada ao fracasso. A ordem era clara o maior sirva o menor. E assim tudo era muito bom.

Contundo, ao homem foi lhe dado um poder sobrenatural, ele portaria a personalidade do maior, que criou tudo. Em outras palavras, em seu corpo devia ser servido e, em seu espírito deveria servir a todos. A ordem estava perfeita, com o espírito livre ele tinha domínio sobre todos e só por esta razão não poderia se considerar superior. A sua única regra era a mesma antiga, sirva ao menor!

Dessa forma todos os outros seres passariam a carecer de espírito. Tudo que está em volta do ser humano clama por uma espiritualização por um sentido. Somos responsáveis por dar alma, cor, textura, transcendência aos seres que nos mantêm o corpo. O maior servindo ao menor.

Como humanos somos criados com espíritos livres, e liberdade implica em serviço. O que alguém já chamou de responsabilidade. O mundo espera ansiosamente por humanos livres que aprenderam a contar os seus dias observando a criação, que voltaram a ver os lírios ou os pássaros. O mundo precisa voltar a lembrar-se de seu parto, voltar a sonhar com ele e viver a partir dele.


O autor

Oi, meu nome é Rafael Sá. Sou téologo, filósofo e escritor. Neste ambiente a fé se converge com existência, produzindo espiritualidade. Estamos aqui até que chegue a paz do Cristo!

A marca e suas bestas



Confesso que não gostaria de tratar desse tema. Na verdade gosto de mexer com a metafísica exatamente porque ela me mantêm longe de coisas não essenciais, como o pragmatismo moderno. Minha preocupação com Deus não veem de um desejo de salvação desenfreado, muito menos de uma constatação de um lugar pós morte para descansar os pés. Nada disso, minha preocupação a priori sempre será com a forma humana do conhecimento, aquilo que não tenho a menor vergonha, de designa “Deus”, no seu melhor sentido significa entender como tudo foi feito, a teoria do conhecimento universal que não se preocupa com aparências.

Acontece que nem só de essencial vive o homem, um ser que para fugir da sua própria ignorância inventa o lúdico, simboliza. Foi no exato momento em que alguém se viu diferente dos outros animais, que ele se apaixonou pela ideia de que sua diferença era de cunho simbólico. A razão. Esse elemento que não aparece no sensível foi a desculpa esperada para nos tornamos o que somos. E nos tornamos animais simbolizadores.

Nada contra o simbolo, o que seria da humanidade sem ele, seu único problema reside quando este usurpa o lugar daquilo que ele mesmo pretende simbolizar. Exemplo: Algum matemático passa a acreditar que o simbolo que ele desenha na lousa de giz é um número, quando na verdade o que têm ali é um rabisco. O número está longe de ser aquilo, sua existência é metafisica e não se rende a existir fora de lá. Outro exemplo é o teólogo que acha que seu livro é sagrado, enquanto que o que é sagrado nem pode ser expresso em sua completude na realidade física, pois não se rende a se tornar texto.
Acontece pior quando um teólogo se junta a um matemático para falar de números e sobre o mal. A confusão generalizada está montada, dois seres que aprenderam a amar os símbolos e esqueceram-se daquilo que eles representam.

Fato notável é que o mal é de fácil percepção, tão fácil que já se chegou a negar a existência de Deus, ou de uma origem racional, pela simplicidade dele ser possível. Uma convergência estranha, é quando esse mal ganha um número. Um teólogo apologista do primeiro século resolveu idealizar um número que possuía a característica de representar o mal humano. Com a controvérsia posta, demorei muito para entender que o simbólico, estava muito além da realidade. O que esse homem fantástico estava apontando era que se os números indicam uma possibilidade metafisica de ler o mundo, logo, o mal teria o seu lugar.

Este teólogo matemático não tinha as nossas aspirações de falar do número, sua preocupação era entender como as coisas que estão além de nós encarnam. Fez isso com a palavra, o logos, apresentando a possibilidade dos conceitos da gramática se tornarem palpáveis, faria isso com a possibilidade de um número apresentar a mesma característica. Que homem brilhante! Fascinante é que os homens absorveriam o mal e os cunhariam como marcas.

Naquela época a economia era dominada pelo governo, moedas estampavam a marca de um rei que essencialmente era mal, seu governo causava destruição e sofrimento para todos, era o oposto do rei que este teólogo tinha conhecido. Esse mal-rei, ostentava ser uma besta destruidora que marcava a todos pela sua assinatura.

Aquele número não era nada, o seu mal sim. Teogonias sempre existiram, inclusive as numéricas. Números ainda indicam a presença do mal no mundo. O sentido do mal se confunde com o sentido da vida, exatamente pelo fato de que a vida é o eterno pedido da inexistência do mal. Aqueles que aceitam o mal como resposta pela vida, estão de fato condenados a serem marcados pelo domínio e sujeição deste mal.

O sábio do primeiro século nos ensinou a olha para a origem do mal ao mesmo tempo que nos ensinou a olhar o mal em nós. Não há chips, códigos de barras, assinaturas presidenciais, ou ferros de marcar cavalos que possam aplica em nós o mal. O mal está fora disso tudo, o mal está presente em nós. Sua única cura é o movimento de aceitação da vida em detrimento da morte. Mesmo que isto custe exatamente a vida.

O nosso grave problema é a marca de Caim. Recomendo que deixemos para trás as idiotices de olharmos para o mal nos outros como medida para fugirmos do nosso próprio. E que o mal humano seja o motivo do nosso terror, e não as suas marcas.


O autor

Oi, meu nome é Rafael Sá. Sou téologo, filósofo e escritor. Neste ambiente a fé se converge com existência, produzindo espiritualidade. Estamos aqui até que chegue a paz do Cristo!